O Impacto Imediato da Execução Fiscal no Caixa da Empresa | quinta-feira, 25 de dezembro de 2025
Quando a empresa passa do “acho que está errado” para a conferência objetiva, normalmente aparecem três frentes de correção que se repetem em contencioso tributário de volume. A primeira é simples: pagamentos, parcelamentos antigos, compensações e abatimentos que, por falhas de integração, por discussões administrativas ou por erros de baixa, não entraram no cálculo final. É mais comum do que parece, especialmente quando houve recolhimentos parciais, pagamentos fora do padrão ou compensações pendentes de homologação.
A segunda é a duplicidade. Às vezes o mesmo débito é inscrito duas vezes, às vezes há execuções repetidas, às vezes há sobreposição de períodos. Isso não é “folclore”; é um efeito colateral do contencioso massificado e de bases de dados que nem sempre conversam bem. E duplicidade é um tipo de excesso que pode ser demonstrado com documentos e planilha, sem grandes filosofias.
A terceira é a prescrição — e, quando o processo se arrasta, a prescrição intercorrente. O CTN prevê o prazo para a Fazenda cobrar judicialmente (CTN, art. 174). E a Lei de Execuções Fiscais traz uma dinâmica específica para suspensão e arquivamento quando não se localizam bens, com impacto direto no reconhecimento de prescrição intercorrente (Lei nº 6.830/1980, art. 40). Para dar segurança a esse tema, o Superior Tribunal de Justiça fixou entendimento em repetitivo sobre a matéria (STJ, Tema 566, REsp 1.340.553/RS), que funciona como um mapa para analisar marcos, suspensões e a linha do tempo do processo. Em termos empresariais, a mensagem é direta: prescrição não é “tese de internet”; é uma análise cronológica minuciosa que pode extinguir total ou parcialmente a execução quando os marcos se encaixam.
E há ainda o capítulo dos números que crescem silenciosamente: juros, multa e correção. Aqui, a revisão não é só jurídica; é matemática. O índice aplicado e o termo inicial fazem diferença. Em alguns casos, há marcos que interrompem, suspendem ou alteram a contagem; em outros, o problema é mais direto: o demonstrativo não permite auditar de onde veio a atualização. Sem transparência, a cobrança vira uma caixa-preta, e caixa-preta é péssima para qualquer decisão financeira.
No caso das multas, a primeira providência é identificar de qual multa se trata — mora, ofício, isolada — e verificar se houve cumulação indevida e se o percentual corresponde ao regime legal do ente cobrador. Além disso, existe um argumento que costuma aparecer quando a multa assume patamar desproporcional: o controle de excessos à luz da vedação de efeito confiscatório, tema que aparece com frequência no STF em discussões de multas tributárias.
Em dívidas federais, um ponto que merece lupa é o encargo legal previsto no Decreto-Lei nº 1.025/1969. Muitas empresas só percebem que estão pagando “duas vezes” quando veem rubricas que parecem diferentes, mas que se sobrepõem na prática. O que importa aqui é entender o que o encargo substitui, quando ele é aplicável e se existe tentativa de cumulação indevida com honorários, especialmente na fase e no formato em que a cobrança está sendo feita. Em Estados e Municípios, o raciocínio é o mesmo: conferir se há “encargos” sem base legal clara ou rubricas que não se sustentam quando você reconstrói a conta.
Até aqui, a conversa foi “o que revisar”. A pergunta seguinte é: “como agir sem destruir o caixa no caminho?” E é aqui que entram as ferramentas processuais e o timing.
A exceção de pré-executividade é uma via que se encaixa bem na lógica empresarial quando você tem uma tese de ordem pública e consegue provar o ponto com documentos, sem precisar de perícia ou produção complexa de prova. Ela é admitida na execução fiscal exatamente nesse recorte (STJ, Súmula 393). Traduzindo: se você consegue mostrar, com CDA, planilha e comprovantes, que há prescrição evidente, ilegitimidade clara, duplicidade ou erro aritmético, muitas vezes dá para provocar o Judiciário sem precisar, de imediato, garantir o juízo — o que reduz a pressão sobre o caixa no curtíssimo prazo.
Já os embargos à execução tendem a ser o caminho quando a discussão precisa ser mais ampla, quando há necessidade de debate sobre fatos e cálculos complexos, ou quando a empresa já garantiu o juízo por penhora, depósito, seguro garantia ou carta fiança. A vantagem é a amplitude; o custo é que a estratégia de garantia pode pressionar financeiramente e precisa ser decidida com simulação, não no impulso.
Paralelamente, existe um aspecto que é menos “jurídico” e mais de sobrevivência: medidas para evitar que a execução vire uma sentença de morte operacional. Quando há risco de bloqueio desproporcional, ou quando uma penhora atinge diretamente a atividade, faz sentido avaliar pedidos de substituição de garantia e aplicação do princípio da menor onerosidade, sempre com cuidado para oferecer alternativa concreta e viável. A lógica é simples: o processo não deve inviabilizar a fonte produtora que, em tese, permitiria o próprio pagamento. Note que o princípio da menor onerosidade não é absoluto; ele precisa ser compatibilizado com a efetividade da execução e com as particularidades da LEF, então a argumentação deve ser bem ancorada nos fatos e nas alternativas de garantia.
E aqui entram duas atualizações que mudam o jogo para empresas, além do “pagar ou brigar”. A primeira é o ambiente de constrição mais eficiente, com uso disseminado de sistemas de busca de ativos como o Sisbajud, ferramenta institucional do Judiciário administrada no ecossistema do CNJ. Isso aumenta a importância de agir cedo, com documento e estratégia, porque decisões tomadas sob bloqueio são quase sempre piores do que decisões tomadas com algum controle de cenário.
A segunda é a consolidação de mecanismos de negociação mais estruturados, especialmente no âmbito federal, com a transação tributária prevista na Lei nº 13.988/2020. A transação, quando disponível e adequada, muda a conversa porque não é apenas “parcelar”; ela pode envolver condições vinculadas à capacidade de pagamento, modalidades por edital e regras próprias. Na prática, para empresas com passivo relevante, pode ser uma alternativa de gestão do problema, desde que a organização interna esteja em dia: classificação das dívidas, garantia, impacto em certidões, custo total e efeitos jurídicos de adesão.
E falar em certidões é falar em negócio. Uma execução fiscal não atrapalha só “o jurídico”; ela pode travar contratos, operações de crédito e participação em oportunidades. Nessa hora, vale lembrar que o CTN prevê hipóteses de suspensão de exigibilidade do crédito tributário, como parcelamento (CTN, art. 151, VI), o que pode repercutir na estratégia de regularidade fiscal e emissão de certidões conforme o cenário específico. O ponto empresarial é simples: muitas vezes, a melhor estratégia não é “ganhar no final”; é preservar a empresa viva e financiável durante o caminho.
O ponto mais valioso dessa sequência é que ela impede a empresa de tomar decisões permanentes em momentos de pânico. Isso aparece, principalmente, no tema do parcelamento. Em muitos programas, parcelar exige confissão do débito e pode envolver renúncia a discussões administrativas e judiciais, conforme a lei e as regras específicas do programa. Parcelar não é “errado”; o erro é parcelar sem depurar o valor, sem simular custo total, sem entender impacto em certidões e sem avaliar se há uma tese simples e documental que reduziria a base antes de qualquer adesão.
Se você chegou até aqui, a mensagem central é objetiva: a CDA não é infalível. A presunção de certeza e liquidez existe, mas é relativa (Lei nº 6.830/1980, art. 3º). Se faltarem requisitos legais (Lei nº 6.830/1980, art. 2º, §5º; CTN, art. 202) ou se houver excesso demonstrável com documentos e memória de cálculo, existem caminhos processuais para reduzir risco e, em alguns casos, reduzir ou até extinguir a cobrança — muitas vezes antes de discutir o mérito do tributo. Para reforçar a segurança dessas ferramentas, vale lembrar que a exceção de pré-executividade tem recorte reconhecido na jurisprudência (STJ, Súmula 393), que a substituição da CDA tem limites igualmente consolidados (STJ, Súmula 392) e que a prescrição intercorrente em execução fiscal segue parâmetros firmados em repetitivo (STJ, Tema 566, REsp 1.340.553/RS).
Na prática, o melhor resumo estratégico continua sendo o mais simples: antes de discutir “se o imposto é devido”, revise a validade da CDA e o cálculo da dívida, porque isso pode derrubar a execução ou reduzir o valor com mais rapidez, previsibilidade e controle de caixa.
Este conteúdo é educativo e informativo e não substitui consulta jurídica. Cada caso exige análise individual de documentos e da linha do tempo do crédito tributário.
BRASIL. Decreto-Lei nº 1.025, de 21 de outubro de 1969. Dispõe sobre o encargo legal em cobranças da dívida ativa e dá outras providências. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 21 out. 1969. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/. Acesso em: 24 dez. 2025.
BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional). Diário Oficial da União: Brasília, DF, 27 out. 1966. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/. Acesso em: 24 dez. 2025.
BRASIL. Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980. Dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, e dá outras providências. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 23 set. 1980. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/. Acesso em: 24 dez. 2025.
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil). Diário Oficial da União: Brasília, DF, 17 mar. 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/. Acesso em: 24 dez. 2025.
BRASIL. Lei nº 13.988, de 14 de abril de 2020. Dispõe sobre a transação resolutiva de litígio relativo à cobrança de créditos da Fazenda Pública e dá outras providências. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 14 abr. 2020. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/. Acesso em: 24 dez. 2025.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 392. A Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução. Brasília, DF: Superior Tribunal de Justiça, [s.d.]. Disponível em: https://www.stj.jus.br/. Acesso em: 24 dez. 2025.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 393. A exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória. Brasília, DF: Superior Tribunal de Justiça, [s.d.]. Disponível em: https://www.stj.jus.br/. Acesso em: 24 dez. 2025.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.340.553/RS. Tema Repetitivo 566: O prazo de 1 (um) ano de suspensão do processo e do respectivo prazo prescricional previsto no art. 40, §§ 1º e 2º da Lei n. 6.830/80 - LEF tem início automaticamente na data da ciência da Fazenda Pública a respeito da não localização do devedor ou da inexistência de bens penhoráveis. Relator: Min. Herman Benjamin. Julgado em: 12 set. 2018. Disponível em: https://www.stj.jus.br/. Acesso em: 24 dez. 2025.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Sisbajud (Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário): informações institucionais. Brasília, DF: CNJ, [s.d.]. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/. Acesso em: 24 dez. 2025.
PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL (PGFN). Transação Tributária: informações, modalidades, editais e regulamentação. Brasília, DF: PGFN, [s.d.]. Disponível em: https://www.gov.br/pgfn/. Acesso em: 24 dez. 2025.