Como contratos bem feitos, acordos de sócios e estruturas societárias com propósito real podem salvar a sua empresa — e por que a “holding de gaveta” é um risco disfarçado de solução. | quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Morte do sócio e continuidade da empresa: por que o planejamento sucessório não pode esperar 🔗



Você já parou para pensar o que acontece com a sua empresa no dia seguinte à morte de um dos sócios? Imagine o cenário: sociedade limitada com dois ou três sócios, um deles é claramente o “cabeça” do negócio, concentra o relacionamento com bancos, fornecedores e clientes, assina tudo e decide quase tudo. De repente, esse sócio falece. As contas da pessoa física são bloqueadas, os herdeiros abrem inventário, ninguém sabe ao certo quem pode votar, quem pode assinar, quem recebe lucros. Se nada foi planejado, a empresa entra numa espécie de limbo jurídico e emocional. Este artigo explica, em linguagem simples, o que o direito brasileiro prevê nessa situação, quais são os riscos de não se preparar, como funcionam as principais ferramentas de planejamento sucessório empresarial e por que estruturas padronizadas de “holding de gaveta” podem gerar mais problemas do que soluções.


A realidade que eu vejo com muita frequência na advocacia empresarial é parecida em quase todas as pequenas e médias empresas familiares. Na prática, o desenho costuma ser este: uma sociedade limitada com poucos sócios, um deles claramente é o líder, o “cérebro” da operação. O patrimônio pessoal e o patrimônio da empresa se misturam, o contrato social é antigo, genérico, não fala quase nada sobre morte de sócio, saída ou sucessão. A família, por sua vez, muitas vezes está afastada da gestão e não entende minimamente o funcionamento do negócio.

Quando acontece o evento que ninguém gosta de encarar, mas que é absolutamente certo — a morte de um dos sócios —, o sistema reage. Em regra, assim que tomam conhecimento do óbito, bancos bloqueiam as contas da pessoa física falecida para resguardar o patrimônio do espólio. Os herdeiros iniciam um inventário, judicial ou extrajudicial, e surgem imediatamente perguntas práticas: as cotas dessa empresa entram no inventário? A empresa pode continuar operando normalmente? Quem pode assinar contratos, receber lucros, aprovar balanços?

Do ponto de vista jurídico, o ponto de partida é o chamado princípio da saisine, previsto no artigo 1.784 do Código Civil: aberta a sucessão, a herança se transmite automaticamente aos herdeiros, no exato momento da morte. Isso inclui, em tese, as cotas ou ações de empresas que pertenciam ao falecido. Mas aqui existe uma nuance importante que costuma ser ignorada. Antes da partilha, os bens não “pulam” diretamente para cada herdeiro de forma individualizada. Eles compõem uma massa única chamada espólio, uma universalidade de bens (artigo 1.791 do Código Civil). Os herdeiros têm, nesse momento, um direito hereditário sobre a herança como um todo, e não ainda sobre cada cota específica.

Somente com a partilha, ao final do inventário, é que se define quem fica com quais cotas, imóveis, aplicações e assim por diante. Até lá, herança e espólio respondem pelas dívidas deixadas pelo falecido, mas os herdeiros não respondem além do valor do patrimônio herdado (artigo 1.792 do Código Civil). Isso significa que, ao herdar cotas de uma sociedade, os sucessores também assumem, ainda que de forma mediata, a exposição patrimonial ligada àquela participação societária — inclusive riscos de passivo trabalhista, fiscal e bancário atrelados ao negócio.

Quando falamos especificamente de sociedade limitada, o Código Civil traz regras próprias para a morte de sócio, liquidação de quotas e cessão de quotas, especialmente nos artigos 1.028, 1.029, 1.031 e 1.057. Se o contrato social for omisso — como infelizmente acontece na maior parte dos casos —, abre-se uma bifurcação: ou a sociedade liquida a participação do sócio falecido, pagando aos herdeiros o valor correspondente às suas quotas, ou os herdeiros ingressam na sociedade, assumindo a posição dele. Ambas as hipóteses exigem negociação, avaliação da empresa e, com frequência, acabam em discussão judicial, especialmente se não houver consenso sobre quanto realmente valem aquelas quotas.

Nesse contexto, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem reforçando a importância de se discutir seriamente o critério de avaliação. Em caso paradigmático, o STJ decidiu que a apuração de haveres não pode se limitar ao valor contábil histórico; é necessário um balanço de determinação que reflita o valor real da empresa, considerando inclusive intangíveis, como clientela e expectativa de lucros futuros (STJ, EREsp 1.615.488/RS). Em outras palavras, se o contrato social não definir um critério de cálculo claro, a briga sobre “quanto vale a empresa” tende a ser longa, cara e imprevisível.

Já na sociedade por ações, regida pela Lei 6.404/1976, a lógica é um pouco diferente. A lei prevê de forma mais clara a transmissão das ações por sucessão causa mortis, com regras sobre registro em livros próprios e, em especial nas companhias abertas, uma vocação natural para a livre circulação das ações. Isso não significa ausência de conflitos — famílias empresárias também brigam em S.A. —, mas existe um arcabouço normativo mais consolidado para a circulação dessas participações. Em contrapartida, as sociedades limitadas dependem muito mais da qualidade do contrato social e, quando há, do acordo de sócios.

É por isso que o Código Civil, no artigo 997, atribui ao contrato social o papel de verdadeira “constituição” da sociedade. É nele que podem (e devem) constar cláusulas específicas sobre o que acontece na morte de um sócio: se os herdeiros entram automaticamente, em que condições; se a sociedade irá liquidar as quotas e em que prazo; qual será o critério de apuração de haveres (valor contábil, fluxo de caixa descontado, múltiplos de mercado, laudo independente, etc.); como será calculado o valor da empresa na data do óbito ou em outra data de referência.

Além do contrato, a prática empresarial desenvolveu a figura do acordo de sócios (ou acordo de acionistas, no caso de S.A.), onde se detalham regras internas sobre exercício de voto, transferência de quotas, preferência na compra, mecanismos de saída e, principalmente, as consequências da morte de sócio. A doutrina e a prática registral admitem a aplicação analógica do artigo 118 da Lei das S.A. às sociedades limitadas, o que reforça a validade desses acordos, desde que não contrariem a lei e o contrato social.

É nesse ponto que entram mecanismos muito úteis, como o direito de preferência na aquisição das quotas do sócio falecido pelos sócios remanescentes ou até pela própria sociedade, com base nos artigos 1.057 e 1.081 do Código Civil. Com isso, é possível garantir que a gestão permaneça nas mãos de quem efetivamente conhece o negócio, ao mesmo tempo em que se assegura uma saída organizada e justa para os herdeiros, que recebem dinheiro ou outros ativos em vez de se transformar, da noite para o dia, em sócios de uma empresa que não entendem.

No campo tributário, o planejamento sucessório empresarial precisa, antes de tudo, respeitar a Constituição Federal. O artigo 155, inciso I, atribui aos Estados a competência para instituir o ITCMD, o imposto sobre transmissão causa mortis e doação. A Resolução nº 9/1992 do Senado Federal limita a alíquota máxima a 8%, mas dentro desse teto cada Estado define, por sua própria lei, alíquotas (fixas ou progressivas), bases de cálculo e regras específicas — inclusive quanto à incidência sobre cotas e ações, muitas vezes com base em valor patrimonial ou de mercado.

Nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal julgou um tema importante ligado ao ITCMD: os Estados não podem cobrar esse imposto sobre heranças e doações de bens situados no exterior enquanto não houver uma lei complementar federal tratando do assunto (STF, RE 851.108/PR, Tema 825). Para famílias com patrimônio fora do país, isso muda completamente o cenário de planejamento, mostrando como a análise tributária não pode ser feita “na intuição” ou com base em promessas genéricas.

Quando se fala em transferir cotas em vida, por doação ou venda, entra em cena o Imposto de Renda sobre ganho de capital, previsto, entre outras normas, na Lei 7.713/1988 e no Regulamento do Imposto de Renda. Em linhas gerais, se houver diferença entre o custo de aquisição e o valor atribuído na transferência, essa diferença pode ser tributada como ganho de capital. Em alguns casos, o doador pode optar por declarar a doação pelo valor histórico, mitigando IR, mas isso impacta a base de cálculo de ITCMD. São escolhas que exigem simulações numéricas concretas, e não respostas prontas.

Um ponto que muitas vezes é ignorado em planejamentos “prontos de prateleira” é o artigo 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, conhecido como norma geral antielisiva. Ele autoriza a autoridade fiscal a desconsiderar atos ou negócios jurídicos quando houver intenção de dissimular o fato gerador ou a natureza dos elementos da obrigação tributária. Há debate doutrinário sobre os limites dessa norma e sobre a necessidade de lei ordinária que regulamente seus procedimentos, mas o fato é que Receita Federal e CARF têm aplicado esse raciocínio em diversos casos de reorganizações societárias vistas como artificiais, sem propósito negocial relevante.

É justamente aí que entram os problemas das chamadas “holdings de gaveta”. O que mais se vê no mercado, hoje, é um verdadeiro modismo: empresários são convencidos a “colocar tudo em uma holding patrimonial” sob promessa de “blindagem total”, “zero imposto na sucessão” e “economia de tributos garantida”. Na prática, muitas dessas holdings não têm atividade real, não têm governança minimamente estruturada, não têm contabilidade coerente com a vida financeira do grupo e não se integram de verdade ao dia a dia do negócio. São apenas uma “casca” jurídica, sem substância econômica.

Quando os contratos são padronizados, copiados de modelos genéricos, sem análise da realidade da família, da empresa, da legislação estadual do ITCMD e das repercussões de IR, o risco de caracterização de simulação ou abuso é concreto. Nessas hipóteses, abre-se espaço para autuações fiscais, glosa de eventuais benefícios, cobrança de ITCMD e IR com multa e juros, e até desconsideração da personalidade jurídica da holding para alcançar o patrimônio das pessoas físicas, com base no artigo 50 do Código Civil.

Esse artigo, aliás, foi atualizado pela Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019), que delimitou melhor os conceitos de desvio de finalidade e confusão patrimonial, deixando claro que a simples existência de grupo econômico não autoriza, por si só, a desconsideração. É necessário provar abuso da personalidade jurídica. Ainda assim, uma holding que não tem contabilidade própria, não registra operações com critério, e funciona apenas como “nome na matrícula do imóvel” continua sendo um prato cheio para o Fisco e para credores.

Por outro lado, a mesma Receita Federal e o CARF vêm, há anos, analisando casos de reorganização societária em que há claro propósito negocial: reorganização de grupos, preparação para entrada de investidores, profissionalização da gestão, separação de risco operacional e patrimonial, preparação para sucessão. A linha que separa planejamento lícito de abuso é justamente a substância econômica e a aderência do desenho societário à realidade do grupo. A própria jurisprudência do STJ tem reafirmado que o planejamento tributário é legítimo, mas não pode ser meramente formal, sem lastro na atividade, sem propósito consistente e desconectado da prática do dia a dia.

Diante de tudo isso, a pergunta prática é: o que efetivamente acontece quando não há qualquer planejamento sucessório empresarial? Em tese, como vimos, os herdeiros passam a ser titulares de direitos sobre a herança desde o óbito. Mas, na prática, a transferência da titularidade das cotas depende do inventário e da partilha. Enquanto isso, a sociedade pode ficar em uma espécie de zona cinzenta: não se sabe exatamente quem pode votar na assembleia, quem pode assinar contratos de maior relevância, quem tem legitimidade para deliberar sobre lucros. Sócios remanescentes e herdeiros podem ter visões muito diferentes sobre qual é o rumo certo da empresa.

Se os herdeiros não têm afinidade com o negócio — o que é mais comum do que se imagina —, surgem conflitos diretos com o sócio sobrevivente em relação à gestão, à distribuição de resultados e até à própria continuidade da empresa. Esse ambiente de insegurança tende a reduzir o valor da sociedade, afasta investidores, preocupa bancos, fragiliza o relacionamento com fornecedores e clientes. Um inventário litigioso, com discussão pesada sobre avaliação da empresa e direitos políticos, pode se arrastar por anos e, em casos extremos, levar à dissolução parcial ou até à liquidação da sociedade, destruindo um valor que poderia ser preservado com medidas relativamente simples, tomadas em vida.

Para tornar esse contraste mais claro, vale olhar este quadro-resumo:

Planejamento sucessório empresarial
Sem planejamento x Com planejamento

Sem planejamento:
• Empresa entra em “limbo” após a morte do sócio.
• Conflitos entre herdeiros e sócio sobrevivente.
• Inventário demorado, com discussão judicial sobre valor de cotas.
• Insegurança para bancos, fornecedores e clientes.

Com planejamento:
• Regras claras no contrato social e acordo de sócios.
• Critério pré-definido de avaliação (valuation) e prazos de pagamento.
• Possibilidade de buy-sell agreement com seguro de vida para gerar liquidez.
• Continuidade da gestão com quem conhece o negócio.

A boa notícia é que existem estratégias societárias robustas que independem de “holding de gaveta” e, muitas vezes, são mais eficientes. A primeira delas é, justamente, a revisão cuidadosa do contrato social. É possível — e recomendável — incluir cláusulas bem claras sobre o que acontece na morte de sócio: se haverá ingresso automático dos herdeiros como sócios; se a sociedade irá liquidar as quotas e pagar em dinheiro; quais serão o prazo e o critério de apuração de haveres; se haverá pagamento à vista, parcelado, com correção, juros, garantias. Quanto mais objetivos forem esses critérios, menor o espaço para conflito.

Em complemento, o acordo de sócios pode detalhar regras de voto, limites de participação de familiares na gestão, direitos de preferência na compra de quotas, mecanismos de saída amigável e, especialmente, o tratamento específico para o evento morte. Uma ferramenta bastante utilizada em mercados mais maduros, e cada vez mais adotada no Brasil, é o chamado buy-sell agreement: um pacto de compra e venda de quotas para o caso de falecimento ou incapacidade de um dos sócios, com fórmula objetiva de valuation previamente definida. Na prática, isso significa que, se um sócio morre, a sociedade ou os sócios remanescentes têm o direito, ou até a obrigação, de adquirir essas quotas dos herdeiros por um valor calculado segundo parâmetros já combinados.

Para tornar isso financeiramente viável, muitas estruturas utilizam seguro de vida vinculado ao acordo. O capital segurado é destinado justamente a gerar liquidez no momento da morte, permitindo que a empresa ou os sócios remanescentes comprem a participação do falecido sem estrangular o caixa operacional. Assim, os herdeiros recebem recursos, a empresa mantém a continuidade sob a direção de quem já está preparado, e o risco de litígio diminui significativamente.

E onde entra a holding nessa história? A holding, seja operacional ou patrimonial, pode ser uma excelente ferramenta quando existe um conjunto maior de empresas, necessidade de centralizar participações, profissionalizar a gestão de bens ou estruturar uma governança mais sofisticada para a família empresária. Nesses casos, a holding tem propósito claro: organizar o patrimônio, facilitar a sucessão, separar risco operacional de patrimônio familiar, racionalizar decisões administrativas, concentrar a relação com bancos e investidores. É uma peça dentro de um projeto, não uma solução mágica isolada.

Isso é completamente diferente da “holding de gaveta”, aquela empresa de fachada, sem atividade real, sem contabilidade adequada, criada apenas para “baixar imposto”. Aqui vale um comparativo direto:


Estruturas societárias
Holding funcional x Holding de gaveta

Holding funcional:
• Propósito claro (centralizar participações, separar riscos, profissionalizar gestão).
• Contabilidade regular e aderente à realidade.
• Governança mínima (atas, contratos, fluxo financeiro próprio).
• Maior chance de ser respeitada pelo Fisco e pelo Judiciário.

Holding de gaveta:
• Criada apenas para “baixar imposto”, sem atividade real.
• Contratos genéricos, copiados de modelos prontos.
• Ausência de registros contábeis consistentes.
• Risco de autuações, glosa de benefícios e desconsideração (art. 50 CC).

Quando a estrutura é artificial, as consequências podem ser severas: além da glosa de benefícios fiscais, pode haver cobrança retroativa de ITCMD e Imposto de Renda, com multa e juros, questionamento de isenções e, em hipóteses mais graves, desconsideração da própria holding para atingir diretamente o patrimônio dos sócios. Quando a estrutura é séria, apoiada em registros contábeis confiáveis, contratos coerentes e um propósito econômico claro, ela passa a ser um instrumento legítimo de organização e sucessão.

Outro ponto relevante diz respeito às alternativas de transmissão das quotas: deixar tudo para o inventário, ou antecipar parte da sucessão em vida, seja por doação, seja por reorganizações societárias bem pensadas. Uma comparação simplificada ajuda a visualizar:

Alternativas de transmissão
Inventário x Doação em vida de quotas

Transmissão via inventário (causa mortis):
• Incidência de ITCMD, conforme lei estadual, na data do óbito.
• Processo sujeito a litígios entre herdeiros.
• Possível “paralisação” da empresa enquanto se define quem é sócio.
• Custos judiciais ou cartorários ao longo do tempo.

Doação planejada em vida:
• Possibilidade de escalonar a transferência de quotas.
• Avaliação prévia de ITCMD e eventual ganho de capital (IR).
• Uso de cláusulas restritivas (inalienabilidade, incomunicabilidade, impenhorabilidade), dentro dos limites da legítima.
• Maior previsibilidade e redução de conflitos futuros.


Nas doações de quotas, é possível usar cláusulas restritivas para proteger o patrimônio familiar em determinadas situações de risco: inalienabilidade (proibição de vender), incomunicabilidade (impedimento de que o bem se comunique com cônjuge em regime de comunhão) e impenhorabilidade (proteção contra penhora por dívidas). O Código Civil, especialmente nos artigos 1.846, 1.848 e 1.911, estabelece os limites dessas cláusulas, exigindo, por exemplo, “justa causa” para gravar a legítima dos herdeiros necessários. É uma ferramenta poderosa, mas que precisa ser usada com equilíbrio, para não engessar demais a próxima geração.

Tudo isso mostra que o planejamento sucessório empresarial não pode ser visto isoladamente como “questão de imposto”. Ele precisa integrar, de forma responsável, quatro dimensões: societária (contrato social, acordo de sócios, tipo de sociedade), sucessória (herdeiros, legítima, testamento), tributária (ITCMD, IR, custos) e familiar (dinâmica da família, perfil dos sucessores, governança). Em muitas empresas familiares, passa também pela criação de mecanismos como conselho de família, protocolo familiar e regras claras para ingresso de parentes em cargos de gestão e em órgãos de governança.

Na prática, um fluxo mínimo de planejamento pode ser visualizado assim:


Fluxo mínimo de planejamento sucessório empresarial
1. Mapear a estrutura atual
• Tipo societário, contrato social vigente e acordo de sócios (se existir).
• Composição da família, sócios-chave e patrimônio (pessoal x empresarial).
2. Identificar riscos e pontos de ruptura
• Dependência excessiva de um sócio (“cabeça” da empresa).
• Ausência de cláusulas sobre morte de sócio e apuração de haveres.
• Mistura de patrimônio pessoal e empresarial.
3. Definir objetivos de longo prazo
• Continuidade do negócio e manutenção da cultura empresarial.
• Proteção dos herdeiros e redução de litígios futuros.
• Eficiência tributária dentro dos limites da lei.
4. Escolher e combinar instrumentos
• Revisar contrato social e redigir/ajustar acordo de sócios.
• Avaliar buy-sell agreement e seguro de vida para gerar liquidez.
• Considerar holding com propósito negocial claro, se fizer sentido.
• Estudar doações planejadas de quotas, com cláusulas restritivas adequadas.
5. Validar impactos jurídicos e tributários
• Simular ITCMD (por Estado), IR sobre ganho de capital e custos cartorários.
• Checar aderência às regras de legítima e sucessão (Código Civil).
• Registrar o propósito negocial e garantir contabilidade coerente.
6. Implementar, acompanhar e revisar
• Formalizar contratos, atas e demais documentos por escrito.
• Integrar advogado societário, tributarista e contador no acompanhamento.
• Revisar periodicamente à luz de mudanças na família, na empresa e na legislação.

Uma observação importante é que o cenário tributário e societário brasileiro está em transformação. A Emenda Constitucional 132/2023, que trata da Reforma Tributária sobre o consumo, não mexeu diretamente no ITCMD, mas reorganizou o sistema e reacendeu discussões sobre tributação de patrimônio e herança. Ao mesmo tempo, vários Estados vêm revisando suas legislações de ITCMD, adotando alíquotas progressivas e debatendo aumentos para grandes transmissões. Isso significa que um bom planejamento não é um documento “que se faz uma vez e nunca mais se olha”, mas um processo vivo, que precisa ser revisitado periodicamente.

Diante de tanta complexidade, uma mensagem se impõe: a morte do sócio é um evento certo; o colapso da empresa, não. O que vai definir se a sua empresa entra em crise ou atravessa o luto com continuidade e segurança é o planejamento que você faz em vida — no contrato social, no acordo de sócios, na organização patrimonial e na forma como a família é envolvida no projeto empresarial.

Planejamento sucessório empresarial não é apenas uma discussão sobre imposto; é, sobretudo, uma questão de governança, proteção familiar e sobrevivência do negócio no longo prazo. Holdings podem ser ferramentas extremamente úteis quando bem estruturadas e alinhadas a um propósito legítimo, mas a “holding de gaveta”, sem substância, tende a gerar mais risco do que proteção.

Se eu pudesse resumir em recomendações práticas, diria: revise o seu contrato social e verifique se ele trata adequadamente de morte, saída e sucessão de sócio; avalie a conveniência de estruturar um acordo de sócios robusto, com regras de voto, preferência e buy-sell; desconfie de soluções padronizadas que prometem economia automática de tributos; e documente sempre o propósito negocial de qualquer reorganização, mantendo uma contabilidade alinhada com a realidade do grupo.

É fundamental, ainda, integrar profissionais de diferentes áreas: advogado societário, tributarista, contador — e, em muitos casos, especialistas em governança de empresas familiares e planejamento financeiro. Todos precisam olhar para o mesmo plano, com foco no longo prazo e na continuidade da empresa.

Por fim, um aviso necessário: cada família e cada empresa têm uma realidade jurídica, tributária e patrimonial própria. O que faz sentido para um grupo pode ser totalmente inadequado para outro. As referências legais e jurisprudenciais mencionadas aqui são gerais, podem mudar com o tempo e ainda sofrem variações importantes entre os Estados, especialmente em matéria de ITCMD. Este conteúdo tem caráter exclusivamente informativo e educacional; não substitui uma consulta jurídica individualizada e não constitui, em nenhuma hipótese, orientação específica para o seu caso concreto.

Antes de implementar qualquer estrutura de planejamento sucessório, busque orientação técnica qualificada e formalize tudo por escrito, com segurança jurídica. Se você tem dúvidas gerais sobre planejamento sucessório empresarial, cláusulas de contrato social, acordo de sócios ou uso responsável de holdings, esse é exatamente o tipo de questão que escritórios especializados – como a LLR Advocacia – estão preparados para analisar com profundidade, considerando os detalhes do seu negócio e da sua família.


Referências bibliográficas

Legislação

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Doutrina

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Dr. Lucas Lisboa Rodrigues

Advogado inscrito na OAB/DF, nº 73.449