Como usar offshores, contas e investimentos no exterior de forma lícita, entendendo onde termina o planejamento tributário e onde começam a evasão, a evasão de divisas e a lavagem de dinheiro. | quinta-feira, 27 de novembro de 2025

Offshore, conta no exterior e empresa fora do Brasil: um guia prático para o empresário brasileiro 🔗


Ter conta bancária, investimentos ou uma empresa offshore fora do Brasil não é crime para o empresário brasileiro. O risco aparece quando essa estrutura é mal pensada, mal operada ou simplesmente não é declarada à Receita Federal e ao Banco Central. Nesses casos, o que poderia ser uma estratégia legítima de proteção patrimonial, sucessão ou expansão de negócios pode se transformar em autuações com multas de até 150% do imposto devido, bloqueio de valores e até investigações criminais por evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Este artigo reúne, em linguagem direta, a base legal, os principais pontos de atenção e um roteiro prático para estruturar (ou revisar) patrimônio no exterior com segurança jurídica.


O cenário atual e os perigos da desinformação

A realidade que muitos empresários vivem hoje é muito parecida. A empresa no Brasil está saudável, gera lucro, o caixa está mais folgado, e começam a surgir propostas de “planejamento tributário internacional”. As promessas costumam ser sedutoras: pagar “zero imposto” no Brasil, “blindar” o patrimônio em paraísos fiscais, colocar bens em nome de empresas de fachada no exterior para escapar de credores ou do Fisco. Grande parte desse conteúdo vem em vídeos rápidos nas redes sociais, produzidos por pessoas sem formação jurídica ou por consultores que simplesmente copiam estruturas de outros países, sem qualquer adaptação à legislação brasileira.

É nesse ponto que o risco começa a crescer. Surgem dúvidas muito razoáveis, como: “ter conta no exterior é crime?”, “em que momento isso vira evasão de divisas?”, “se eu abrir uma empresa em um país de baixa tributação, ainda assim vou ser tributado no Brasil?”, “eu declaro essa offshore na pessoa física, na jurídica ou nas duas?”. Ignorar essas perguntas é caro. Na prática, a Receita Federal tem autuado com frequência contribuintes por omissão de rendimentos de offshores, aplicando multas que começam em 75% do imposto devido e podem chegar a 150% em caso de fraude ou simulação, além de juros. Muitas vezes, a própria fiscalização envia representação fiscal para fins penais ao Ministério Público.

Paralelamente, o Ministério Público e a Polícia Federal podem abrir investigações por evasão de divisas, com base na Lei nº 7.492/1986, quando há manutenção de depósitos não declarados no exterior ou remessas feitas fora do sistema oficial. Em situações mais graves, estruturas offshore usadas para mascarar a origem de recursos ilícitos acabam enquadradas na Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei nº 9.613/1998), especialmente quando o dinheiro sai do Brasil sem declaração e volta travestido de “investimento estrangeiro”. O resultado costuma ser pesado: bloqueio de valores, dificuldade para repatriar recursos e um passivo fiscal e criminal considerável.

O que diz a lei: liberdade cambial e substância econômica

Antes de demonizar a palavra “offshore”, é importante deixar algo muito claro: pela legislação brasileira, residentes no Brasil podem ter contas bancárias, investimentos e participações societárias no exterior. Não existe uma proibição genérica a isso. O que existe, sim, são obrigações de registro, declaração e respeito às regras tributárias e cambiais. Em outras palavras, o problema não é ter patrimônio fora do país; é esconder esse patrimônio ou usá‑lo de forma abusiva.

O novo marco cambial brasileiro, consolidado na Lei nº 14.286/2021, reforçou o princípio da liberdade cambial: o residente pode manter ativos no exterior e movimentar recursos para fora do país, desde que siga as regras do Banco Central e do Conselho Monetário Nacional para registro e declaração desses capitais. Ao mesmo tempo, a legislação cambial exige que as remessas sejam feitas por instituições autorizadas, com contratos de câmbio formais e indicação correta da natureza da operação. Quando o empresário tenta mandar dinheiro “por fora”, usando contas de terceiros ou sistemas paralelos, abre espaço direto para enquadramento em evasão de divisas.

Do lado tributário, o Código Tributário Nacional (CTN) dá à Receita Federal instrumentos importantes para lidar com estruturas artificiais. Os dispositivos sobre interpretação dos negócios jurídicos e a possibilidade de desconsiderar atos simulados ou praticados com abuso de forma autorizam a Administração Tributária a olhar para a substância econômica da operação, e não apenas para o rótulo colocado no contrato. Em bom português: não adianta chamar algo de “empréstimo”, “serviço” ou “investimento estrangeiro” se, na prática, aquilo é só uma forma de distribuir lucros sem pagar imposto.

Outro ponto central é o princípio da mundialidade da renda. Pela regra geral do artigo 43 do CTN, se você é residente fiscal no Brasil, em princípio é tributado aqui sobre todos os rendimentos que obtém, tanto no Brasil quanto no exterior, salvo exceções específicas previstas em tratados para evitar dupla tributação ou em regras especiais. Isso significa que ter uma offshore ou uma conta lá fora não “escapa” automaticamente do radar tributário brasileiro só porque o dinheiro está em outro país.

Obrigações específicas: Pessoa Física, Jurídica e Banco Central

Na pessoa física, as Instruções Normativas da Receita Federal – como a IN RFB nº 2.010/2021 – determinam que contas no exterior, participações em empresas estrangeiras, aplicações financeiras e imóveis fora do país sejam declarados na ficha de bens e direitos da declaração de Imposto de Renda, pelo custo de aquisição em moeda estrangeira, convertido para reais conforme as regras vigentes. Não declarar esses bens e direitos já é, por si só, um problema, independentemente de ter havido ou não omissão de rendimentos.

Na pessoa jurídica, o tema ganha mais complexidade quando se fala de lucros de empresas controladas ou coligadas no exterior. Desde a Medida Provisória nº 2.158‑35/2001 e, depois, com a Lei nº 12.973/2014, o Brasil estabeleceu regras para tributar lucros de controladas no exterior, inclusive em países de tributação favorecida. O Supremo Tribunal Federal analisou essa matéria no Recurso Extraordinário nº 611.586, que tratou da tributação de lucros auferidos por controladas e coligadas no exterior, e fixou parâmetros importantes sobre o alcance dessas regras (STF, RE 611.586/RS, Tema 537).

Quando o assunto são os chamados “paraísos fiscais”, a Lei nº 9.430/1996, combinada com a Instrução Normativa RFB nº 1.037/2010, traz o conceito de país com tributação favorecida e de regime fiscal privilegiado. Esses países costumam ter alíquotas baixíssimas de imposto de renda, sigilo societário acentuado e pouca troca de informações com outras administrações tributárias. Isso não significa que seja proibido investir nessas jurisdições, mas implica um tratamento tributário mais rigoroso no Brasil, com presunções desfavoráveis ao contribuinte e uma exigência maior de comprovação de substância econômica real.

No campo cambial, pessoas físicas e jurídicas residentes no Brasil que detêm ativos no exterior acima de certos valores são obrigadas a apresentar a Declaração de Capitais Brasileiros no Exterior (DCBE) ao Banco Central. A regra geral é: a partir de um determinado patamar em dólares, há obrigação de declaração anual; para montantes mais elevados, podem ser exigidas declarações trimestrais, de acordo com as normas em vigor em cada período. Deixar de apresentar a DCBE, ou prestá‑la com informações falsas, aumenta significativamente o risco de problemas tanto administrativos quanto, em contextos mais graves, criminais.

Diferenciando planejamento lícito de crimes financeiros

Diante desse cenário, é fundamental separar três campos que muitas vezes são confundidos: planejamento tributário lícito, evasão ou sonegação de tributos e crimes como evasão de divisas e lavagem de dinheiro.

O planejamento tributário lícito é aquele em que o empresário reorganiza seus negócios e seu patrimônio para, dentro da lei, aproveitar regimes mais favoráveis, incentivos oficiais e tratados internacionais. Tudo é feito com transparência, documentação consistente e sem uso de laranjas ou empresas de fachada. A evasão e a sonegação, por outro lado, surgem quando o contribuinte oculta rendimentos, deixa de declarar lucros ou ganhos de capital, simula operações para disfarçar a verdadeira titularidade dos recursos ou interpõe pessoas físicas e jurídicas apenas no papel.

Quando, além disso, há manutenção de depósitos não declarados no exterior ou remessas clandestinas, entra em cena o crime de evasão de divisas. E, se a estrutura é utilizada para ocultar ou dissimular bens, direitos e valores provenientes de infração penal, passa a ser relevante a Lei de Lavagem de Dinheiro. Para ajudar a visualizar essas diferenças, vale olhar a tabela a seguir.

Planejamento Tributário Lícito
Objetivo Principal Otimizar a carga tributária dentro da lei e com transparência.
Comportamento Típico Reorganização societária, escolha de regimes e jurisdições com base em regras claras.
Relação com o Fisco Estruturas declaradas; operações documentadas.
Substância Econômica Atividades reais, com função negocial legítima.
Situação Legal Lícita, desde que não haja simulação ou abuso de forma.
Exemplo Simplificado Abrir empresa em país com tratado para evitar dupla tributação, declarando tudo no Brasil.
Evasão / Sonegação de Tributos
Objetivo Principal Reduzir ou eliminar tributos por meios ilícitos.
Comportamento Típico Omissão de rendimentos, uso de laranjas, operações simuladas.
Relação com o Fisco Informações incompletas ou falsas; declarações omissas.
Substância Econômica Estruturas de fachada, funções artificiais.
Situação Legal Ilícita, sujeita a autuação e penalidades administrativas.
Exemplo Simplificado Não declarar lucros da offshore na declaração de IRPF.
Crimes (Evasão de Divisas e Lavagem)
Objetivo Principal Ocultar origem e propriedade de valores ilícitos; burlar controle cambial.
Comportamento Típico Manutenção de depósitos não declarados no exterior, remessas clandestinas, “lavagem”.
Relação com o Fisco Informações ocultadas deliberadamente; operações paralelas ao sistema oficial.
Substância Econômica Estruturas usadas para esconder beneficiário final e origem dos recursos.
Situação Legal Ilícita, sujeita a responsabilização penal (ação penal, prisão, bloqueio de bens).
Exemplo Simplificado Mandar dinheiro ao exterior por meio de doleiro e reintroduzir como “investimento estrangeiro”.

Perceba que a linha que separa o planejamento lícito da evasão nem sempre está em um detalhe técnico obscuro. Muitas vezes, ela está na intenção e, principalmente, na transparência. Uma estrutura complexa, mas totalmente declarada, com atividades reais e documentação robusta, tende a ser vista como legítima. Já uma estrutura simples, porém oculta ou simulada, tende a ser tratada como evasiva.

Na mira do Fisco: autuações, multas e consequências penais

Na prática, onde o Fisco costuma autuar quando identifica estruturas offshore? Um primeiro foco é a omissão de rendimentos de investimentos no exterior: juros, dividendos, aluguéis e ganhos de capital que não aparecem nem na declaração da pessoa física nem na da pessoa jurídica. Um segundo foco é a tributação de lucros de controladas em paraísos fiscais, especialmente quando a sociedade estrangeira é uma mera holding, sem funcionários, sem escritório, sem substância econômica – o típico “pedaço de papel” usado apenas para acumular lucros em lugar de baixa tributação.

Outro ponto sensível é a chamada distribuição disfarçada de lucros. Isso ocorre, por exemplo, quando a offshore vende ativos para o sócio ou para empresas ligadas no Brasil por valores artificialmente baixos ou altos, com o objetivo de transferir recursos sem a devida tributação. A legislação do imposto de renda e a própria Lei nº 12.973/2014 trazem regras específicas para identificar e tributar essas operações. Além disso, a Receita pode requalificar negócios com base na ideia de abuso de forma e simulação, quando fica evidente que a empresa no exterior não tem função econômica verdadeira e foi criada basicamente para reduzir ou postergar imposto de maneira artificial.

Os riscos patrimoniais e criminais envolvidos não são teóricos. Do ponto de vista financeiro, as multas de ofício previstas na legislação partem, em regra, de 75% do imposto devido e podem ser majoradas para 150% em casos de fraude, conluio ou simulação, sempre acrescidas de juros de mora. Em determinadas situações, administradores e sócios podem ser responsabilizados pessoalmente quando atuam com excesso de poderes, infração à lei ou ao contrato social. Do ponto de vista penal, há risco real de inquérito e ação penal por evasão de divisas, crimes contra a ordem tributária e lavagem de dinheiro, com possibilidade de bloqueio de bens, medidas cautelares e, em hipóteses extremas, até prisão preventiva.

Para além das sanções formais, existe o dano reputacional. Em um mundo hiperconectado, bastam algumas manchetes associando o nome do empresário a “offshore”, “paraíso fiscal” e “operação da Polícia Federal” para colocar em risco relações com bancos, investidores, parceiros comerciais e até com a própria família. Em muitos casos, consertar a reputação é mais difícil – e mais demorado – do que regularizar a situação fiscal.

Roteiro prático para estruturar com segurança

Tudo isso levanta uma pergunta prática: como estruturar offshores, contas e empresas no exterior com segurança jurídica, sem abrir mão da eficiência, mas também sem brincar com a sorte?

Um primeiro passo é definir com honestidade o objetivo real da estrutura internacional. Pode ser proteção patrimonial, organização sucessória, expansão de negócios para outros mercados, acesso a financiamento internacional, diversificação de investimentos ou questões logísticas, como facilitar pagamentos e recebimentos em moeda forte. O que não pode ser é “pagar zero imposto” a qualquer custo, sem se importar com as consequências legais.

Em seguida, é essencial avaliar a residência fiscal dos sócios e administradores e onde as atividades econômicas efetivamente acontecem. Isso influencia diretamente o risco de dupla tributação, a aplicação das regras brasileiras de tributação de controladas no exterior e até a definição de qual país tem prioridade para tributar determinados lucros. Muitas vezes, uma mudança de residência fiscal de um sócio pode alterar completamente a análise.

A escolha da jurisdição não deve ser guiada apenas pela alíquota de imposto. É preciso olhar se o país tem ou não acordo para evitar dupla tributação com o Brasil, qual é o nível de transparência exigido, como funciona o sistema jurídico local, qual é a estabilidade política e regulatória e quanto custará manter essa empresa ou estrutura ao longo do tempo. Em alguns casos, uma jurisdição com tributação um pouco maior, mas com melhor reputação e acordos com o Brasil, pode ser muito mais vantajosa e segura no longo prazo do que um “paraíso” opaco.

Outro pilar fundamental é documentar a substância econômica da empresa no exterior. Isso envolve ter um contrato social coerente com a realidade do negócio, uma administração efetiva, contabilidade regular, movimentação bancária compatível com o objeto social e, quando fizer sentido, uma estrutura mínima de pessoal e de tomada de decisão no país onde a empresa está sediada. Estruturas completamente vazias, sem qualquer atividade real, tendem a ser tratadas como artificiais pelas autoridades fiscais.

Planejar previamente como será a tributação no Brasil é outro passo que não pode ser ignorado. É necessário analisar o regime tributário da empresa nacional (lucro real, lucro presumido etc.), o impacto dos lucros recebidos da offshore tanto na pessoa jurídica quanto na pessoa física, em que momento esses lucros serão considerados disponibilizados para fins fiscais e se é possível aproveitar créditos de imposto pago no exterior, de acordo com a legislação e eventuais tratados.

Além disso, as boas práticas de compliance fiscal e cambial se tornaram indispensáveis. Todas as remessas ao exterior devem passar por instituições autorizadas, com contratos de câmbio claros e indicação correta da natureza de cada operação. A contabilidade, no Brasil e no exterior, tem de estar organizada, com conciliação entre saldos, extratos bancários e declarações fiscais. A DCBE, quando obrigatória, precisa ser entregue nos prazos e limites previstos; da mesma forma, todas as participações e contas no exterior devem ser corretamente declaradas no imposto de renda.

Para visualizar esse caminho de forma mais didática, o fluxograma abaixo resume um fluxo básico para estruturar patrimônio no exterior com segurança jurídica:

Fluxo básico para estruturar patrimônio no exterior com segurança jurídica
1. Definir o objetivo real da estrutura internacional
• Proteção patrimonial e sucessão familiar?
• Expansão de negócios e presença internacional?
• Diversificação de investimentos e acesso a novos mercados?
2. Analisar a situação dos sócios e da empresa no Brasil
• Verificar residência fiscal dos sócios e administradores
• Identificar regime tributário da empresa no Brasil (lucro real, presumido etc.)
3. Escolher a jurisdição e o tipo de veículo no exterior
• Considerar carga tributária, tratados e estabilidade jurídica
• Avaliar nível de transparência e reputação da jurisdição
→ Evitar escolher apenas pela menor alíquota de imposto
4. Garantir substância econômica da estrutura
• Definir funções reais da empresa offshore (holding, trading, serviços etc.)
• Estabelecer administração efetiva, contabilidade e movimentação bancária compatíveis
→ Quando fizer sentido, ter equipe mínima e tomada de decisão local
5. Planejar a tributação no Brasil e no exterior
• Mapear como e quando os lucros serão tributados no Brasil
• Verificar possibilidade de créditos de imposto pago no exterior
• Analisar impacto na pessoa física e na pessoa jurídica
6. Implementar compliance fiscal e cambial
• Realizar remessas apenas via instituições autorizadas, com contratos de câmbio corretos
• Declarar contas, participações e ativos no exterior no IRPF / IRPJ
• Entregar DCBE ao Banco Central quando for obrigatório
7. Monitorar e revisar periodicamente a estrutura
• Acompanhar mudanças na legislação brasileira e estrangeira
• Reavaliar se o objetivo inicial ainda é atendido
→ Ajustar ou encerrar estruturas que se tornaram ineficientes ou arriscadas

Desafios de gestão, custos e compliance

Além dos aspectos jurídicos e tributários, há desafios mais amplos que o empresário precisa considerar. Um deles é a relação custo-benefício da internacionalização. Constituir e manter uma empresa no exterior envolve custos de abertura, de registros, de contabilidade local, de honorários de advogados e consultores em mais de uma jurisdição. Nem todo negócio compensa essa complexidade. Empresas com atuação estritamente local, margens apertadas ou sem necessidade real de presença fora do país podem estar assumindo uma carga desnecessária de trabalho e de risco ao insistir em estruturas internacionais.

Outro desafio é a própria complexidade de lidar com múltiplas legislações. É preciso conciliar as regras brasileiras com as do país onde a empresa ou a conta está localizada. Em alguns casos, haverá tratados para evitar dupla tributação; em outros, não. Em certos países, os lucros só serão tributados na distribuição; em outros, na apuração. Esses fatores influenciam diretamente o desenho do planejamento e tornam praticamente indispensável o acompanhamento por profissionais que dominem tributação internacional.

O cenário regulatório também muda com rapidez. Listas de paraísos fiscais são atualizadas, regras sobre tributação de lucros no exterior são alteradas, decisões de tribunais superiores podem redefinir entendimentos consolidados. Um planejamento que era razoável há cinco ou dez anos pode hoje ser visto como abusivo ou insuficiente. Nesse ponto, decisões como a do STF sobre tributação de lucros de controladas e coligadas no exterior mostram como a jurisprudência pode redesenhar a fronteira entre o que é aceitável e o que precisa ser revisto (STF, RE 611.586/RS, Tema 537).

Por tudo isso, estruturar patrimônio e negócios no exterior exige uma abordagem multidisciplinar. O ideal é que advogado tributarista, contador com experiência internacional e, muitas vezes, advogado societário e especialista em planejamento sucessório conversem entre si. Isso reduz o risco de conflitos entre estratégias fiscais, questões societárias e interesses familiares. Um escritório especializado em direito tributário e internacionalização, como o LLR Advocacia, pode ajudar a coordenar essa visão integrada, levando em conta tanto as exigências brasileiras quanto as particularidades da jurisdição estrangeira escolhida.

Há ainda um aspecto de gestão de reputação. Em grandes grupos econômicos, fundos de investimento e empresas de capital aberto, o uso de offshores e estruturas internacionais costuma ser acompanhado de políticas internas de compliance, aprovação por conselhos de administração e divulgação transparente em demonstrações financeiras. Mesmo em empresas de menor porte, vale refletir sobre como essas estruturas serão percebidas por bancos, parceiros, investidores e herdeiros. Transparência, coerência e boa documentação costumam ser aliados importantes para evitar que a palavra “offshore” seja automaticamente associada a algo ilícito.

Conclusão e recomendações finais

Caminhando para a conclusão, é importante reforçar a ideia central: ter conta bancária, investimentos ou empresa no exterior é lícito para o empresário brasileiro, desde que sejam observadas as obrigações fiscais e cambiais. O risco não está na palavra “offshore” em si, mas na forma como a estrutura é pensada, operada e declarada. A legislação brasileira – incluindo o CTN, a Lei nº 9.430/1996, a MP nº 2.158‑35/2001, a Lei nº 12.973/2014, a Lei nº 14.286/2021, entre outras – confere ao Fisco instrumentos robustos para tributar lucros no exterior, desconsiderar simulações e punir a omissão de rendimentos.

Do ponto de vista prático, algumas recomendações podem servir como bússola. Desconfie de qualquer promessa de “zero imposto” como solução mágica. Estruturas agressivas demais, sem substância econômica, tendem a ser rechaçadas pela Receita Federal e podem atrair a atenção de outros órgãos. Antes de abrir uma offshore ou movimentar recursos para fora do país, alinhe o planejamento com um advogado tributarista e um contador que conheçam tributação internacional, avaliando impacto tanto na pessoa física quanto na jurídica. Se você já tem estruturas no exterior com algum grau de irregularidade, vale avaliar seriamente a regularização, seja por meio de retificação de declarações, seja se preparando para aproveitar eventuais programas de conformidade que o governo venha a instituir.

E, acima de tudo, encare a internacionalização como uma estratégia de longo prazo: de governança, sucessão, eficiência e diversificação de riscos, e não como um truque de curto prazo para esconder patrimônio ou fugir do Fisco. Essa mudança de mentalidade costuma ser o primeiro passo para que offshores e contas no exterior deixem de ser um problema e passem a ser uma ferramenta legítima de desenvolvimento dos negócios.

Por fim, é preciso registrar o aviso legal essencial: tudo o que foi exposto aqui tem caráter exclusivamente informativo, em consonância com o Código de Ética e Disciplina da OAB. Este texto não substitui, em hipótese alguma, uma consulta jurídica individualizada. Cada caso concreto tem suas peculiaridades – porte da empresa, país escolhido, composição societária, tipo de atividade, histórico fiscal e contexto familiar e sucessório. Buscar orientação técnica antes de tomar decisões pode economizar muito dinheiro, tempo e, principalmente, tranquilidade no futuro.


Referências

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Código Tributário Nacional. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 27 out. 1966.

BRASIL. Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986. Define crimes contra o sistema financeiro nacional, e dá outras providências. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 17 jun. 1986.

BRASIL. Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990. Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 28 dez. 1990.

BRASIL. Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996. Dispõe sobre a legislação tributária federal, as contribuições para a seguridade social, o processo administrativo de consulta e dá outras providências. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 30 dez. 1996.

BRASIL. Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998. Dispõe sobre os crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores e a prevenção da utilização do sistema financeiro para ilícitos. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 4 mar. 1998.

BRASIL. Medida Provisória nº 2.158‑35, de 24 de agosto de 2001. Altera a legislação das contribuições para a seguridade social e dá outras providências. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 27 ago. 2001.

BRASIL. Lei nº 12.973, de 13 de maio de 2014. Altera a legislação tributária federal relativa ao Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas, à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido e à Contribuição para o PIS/Pasep e à Cofins. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 14 maio 2014.

BRASIL. Lei nº 14.286, de 29 de dezembro de 2021. Dispõe sobre o mercado de câmbio brasileiro, o capital brasileiro no exterior, o capital estrangeiro no País e dá outras providências. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 30 dez. 2021.

BRASIL. Receita Federal do Brasil. Instrução Normativa RFB nº 1.037, de 4 de junho de 2010. Dispõe sobre a tributação de investimentos em países com tributação favorecida e em regimes fiscais privilegiados e publica lista de jurisdições. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 07 jun. 2010.

BRASIL. Receita Federal do Brasil. Instrução Normativa RFB nº 2.010, de 24 de fevereiro de 2021. Dispõe sobre a apresentação da Declaração de Ajuste Anual do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 25 fev. 2021.

BANCO CENTRAL DO BRASIL. Declaração de Capitais Brasileiros no Exterior – DCBE. Brasília, DF, [s.d.]. Disponível em: https://www.bcb.gov.br. Acesso em: 26 nov. 2025.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (Brasil). Recurso Extraordinário nº 611.586/RS. Relator: Min. Joaquim Barbosa. Julgado em 10 abr. 2013. Disponível em: https://portal.stf.jus.br. Acesso em: 26 nov. 2025.

Dr. Lucas Lisboa Rodrigues

Advogado inscrito na OAB/DF, nº 73.449