Como usar offshores, contas e investimentos no exterior de forma lícita, entendendo onde termina o planejamento tributário e onde começam a evasão, a evasão de divisas e a lavagem de dinheiro. | quinta-feira, 27 de novembro de 2025
Perceba que a linha que separa o planejamento lícito da evasão nem sempre está em um detalhe técnico obscuro. Muitas vezes, ela está na intenção e, principalmente, na transparência. Uma estrutura complexa, mas totalmente declarada, com atividades reais e documentação robusta, tende a ser vista como legítima. Já uma estrutura simples, porém oculta ou simulada, tende a ser tratada como evasiva.
Na prática, onde o Fisco costuma autuar quando identifica estruturas offshore? Um primeiro foco é a omissão de rendimentos de investimentos no exterior: juros, dividendos, aluguéis e ganhos de capital que não aparecem nem na declaração da pessoa física nem na da pessoa jurídica. Um segundo foco é a tributação de lucros de controladas em paraísos fiscais, especialmente quando a sociedade estrangeira é uma mera holding, sem funcionários, sem escritório, sem substância econômica – o típico “pedaço de papel” usado apenas para acumular lucros em lugar de baixa tributação.
Outro ponto sensível é a chamada distribuição disfarçada de lucros. Isso ocorre, por exemplo, quando a offshore vende ativos para o sócio ou para empresas ligadas no Brasil por valores artificialmente baixos ou altos, com o objetivo de transferir recursos sem a devida tributação. A legislação do imposto de renda e a própria Lei nº 12.973/2014 trazem regras específicas para identificar e tributar essas operações. Além disso, a Receita pode requalificar negócios com base na ideia de abuso de forma e simulação, quando fica evidente que a empresa no exterior não tem função econômica verdadeira e foi criada basicamente para reduzir ou postergar imposto de maneira artificial.
Os riscos patrimoniais e criminais envolvidos não são teóricos. Do ponto de vista financeiro, as multas de ofício previstas na legislação partem, em regra, de 75% do imposto devido e podem ser majoradas para 150% em casos de fraude, conluio ou simulação, sempre acrescidas de juros de mora. Em determinadas situações, administradores e sócios podem ser responsabilizados pessoalmente quando atuam com excesso de poderes, infração à lei ou ao contrato social. Do ponto de vista penal, há risco real de inquérito e ação penal por evasão de divisas, crimes contra a ordem tributária e lavagem de dinheiro, com possibilidade de bloqueio de bens, medidas cautelares e, em hipóteses extremas, até prisão preventiva.
Para além das sanções formais, existe o dano reputacional. Em um mundo hiperconectado, bastam algumas manchetes associando o nome do empresário a “offshore”, “paraíso fiscal” e “operação da Polícia Federal” para colocar em risco relações com bancos, investidores, parceiros comerciais e até com a própria família. Em muitos casos, consertar a reputação é mais difícil – e mais demorado – do que regularizar a situação fiscal.
Tudo isso levanta uma pergunta prática: como estruturar offshores, contas e empresas no exterior com segurança jurídica, sem abrir mão da eficiência, mas também sem brincar com a sorte?
Um primeiro passo é definir com honestidade o objetivo real da estrutura internacional. Pode ser proteção patrimonial, organização sucessória, expansão de negócios para outros mercados, acesso a financiamento internacional, diversificação de investimentos ou questões logísticas, como facilitar pagamentos e recebimentos em moeda forte. O que não pode ser é “pagar zero imposto” a qualquer custo, sem se importar com as consequências legais.
Em seguida, é essencial avaliar a residência fiscal dos sócios e administradores e onde as atividades econômicas efetivamente acontecem. Isso influencia diretamente o risco de dupla tributação, a aplicação das regras brasileiras de tributação de controladas no exterior e até a definição de qual país tem prioridade para tributar determinados lucros. Muitas vezes, uma mudança de residência fiscal de um sócio pode alterar completamente a análise.
A escolha da jurisdição não deve ser guiada apenas pela alíquota de imposto. É preciso olhar se o país tem ou não acordo para evitar dupla tributação com o Brasil, qual é o nível de transparência exigido, como funciona o sistema jurídico local, qual é a estabilidade política e regulatória e quanto custará manter essa empresa ou estrutura ao longo do tempo. Em alguns casos, uma jurisdição com tributação um pouco maior, mas com melhor reputação e acordos com o Brasil, pode ser muito mais vantajosa e segura no longo prazo do que um “paraíso” opaco.
Outro pilar fundamental é documentar a substância econômica da empresa no exterior. Isso envolve ter um contrato social coerente com a realidade do negócio, uma administração efetiva, contabilidade regular, movimentação bancária compatível com o objeto social e, quando fizer sentido, uma estrutura mínima de pessoal e de tomada de decisão no país onde a empresa está sediada. Estruturas completamente vazias, sem qualquer atividade real, tendem a ser tratadas como artificiais pelas autoridades fiscais.
Planejar previamente como será a tributação no Brasil é outro passo que não pode ser ignorado. É necessário analisar o regime tributário da empresa nacional (lucro real, lucro presumido etc.), o impacto dos lucros recebidos da offshore tanto na pessoa jurídica quanto na pessoa física, em que momento esses lucros serão considerados disponibilizados para fins fiscais e se é possível aproveitar créditos de imposto pago no exterior, de acordo com a legislação e eventuais tratados.
Além disso, as boas práticas de compliance fiscal e cambial se tornaram indispensáveis. Todas as remessas ao exterior devem passar por instituições autorizadas, com contratos de câmbio claros e indicação correta da natureza de cada operação. A contabilidade, no Brasil e no exterior, tem de estar organizada, com conciliação entre saldos, extratos bancários e declarações fiscais. A DCBE, quando obrigatória, precisa ser entregue nos prazos e limites previstos; da mesma forma, todas as participações e contas no exterior devem ser corretamente declaradas no imposto de renda.
Para visualizar esse caminho de forma mais didática, o fluxograma abaixo resume um fluxo básico para estruturar patrimônio no exterior com segurança jurídica:
Além dos aspectos jurídicos e tributários, há desafios mais amplos que o empresário precisa considerar. Um deles é a relação custo-benefício da internacionalização. Constituir e manter uma empresa no exterior envolve custos de abertura, de registros, de contabilidade local, de honorários de advogados e consultores em mais de uma jurisdição. Nem todo negócio compensa essa complexidade. Empresas com atuação estritamente local, margens apertadas ou sem necessidade real de presença fora do país podem estar assumindo uma carga desnecessária de trabalho e de risco ao insistir em estruturas internacionais.
Outro desafio é a própria complexidade de lidar com múltiplas legislações. É preciso conciliar as regras brasileiras com as do país onde a empresa ou a conta está localizada. Em alguns casos, haverá tratados para evitar dupla tributação; em outros, não. Em certos países, os lucros só serão tributados na distribuição; em outros, na apuração. Esses fatores influenciam diretamente o desenho do planejamento e tornam praticamente indispensável o acompanhamento por profissionais que dominem tributação internacional.
O cenário regulatório também muda com rapidez. Listas de paraísos fiscais são atualizadas, regras sobre tributação de lucros no exterior são alteradas, decisões de tribunais superiores podem redefinir entendimentos consolidados. Um planejamento que era razoável há cinco ou dez anos pode hoje ser visto como abusivo ou insuficiente. Nesse ponto, decisões como a do STF sobre tributação de lucros de controladas e coligadas no exterior mostram como a jurisprudência pode redesenhar a fronteira entre o que é aceitável e o que precisa ser revisto (STF, RE 611.586/RS, Tema 537).
Por tudo isso, estruturar patrimônio e negócios no exterior exige uma abordagem multidisciplinar. O ideal é que advogado tributarista, contador com experiência internacional e, muitas vezes, advogado societário e especialista em planejamento sucessório conversem entre si. Isso reduz o risco de conflitos entre estratégias fiscais, questões societárias e interesses familiares. Um escritório especializado em direito tributário e internacionalização, como o LLR Advocacia, pode ajudar a coordenar essa visão integrada, levando em conta tanto as exigências brasileiras quanto as particularidades da jurisdição estrangeira escolhida.
Há ainda um aspecto de gestão de reputação. Em grandes grupos econômicos, fundos de investimento e empresas de capital aberto, o uso de offshores e estruturas internacionais costuma ser acompanhado de políticas internas de compliance, aprovação por conselhos de administração e divulgação transparente em demonstrações financeiras. Mesmo em empresas de menor porte, vale refletir sobre como essas estruturas serão percebidas por bancos, parceiros, investidores e herdeiros. Transparência, coerência e boa documentação costumam ser aliados importantes para evitar que a palavra “offshore” seja automaticamente associada a algo ilícito.
Caminhando para a conclusão, é importante reforçar a ideia central: ter conta bancária, investimentos ou empresa no exterior é lícito para o empresário brasileiro, desde que sejam observadas as obrigações fiscais e cambiais. O risco não está na palavra “offshore” em si, mas na forma como a estrutura é pensada, operada e declarada. A legislação brasileira – incluindo o CTN, a Lei nº 9.430/1996, a MP nº 2.158‑35/2001, a Lei nº 12.973/2014, a Lei nº 14.286/2021, entre outras – confere ao Fisco instrumentos robustos para tributar lucros no exterior, desconsiderar simulações e punir a omissão de rendimentos.
Do ponto de vista prático, algumas recomendações podem servir como bússola. Desconfie de qualquer promessa de “zero imposto” como solução mágica. Estruturas agressivas demais, sem substância econômica, tendem a ser rechaçadas pela Receita Federal e podem atrair a atenção de outros órgãos. Antes de abrir uma offshore ou movimentar recursos para fora do país, alinhe o planejamento com um advogado tributarista e um contador que conheçam tributação internacional, avaliando impacto tanto na pessoa física quanto na jurídica. Se você já tem estruturas no exterior com algum grau de irregularidade, vale avaliar seriamente a regularização, seja por meio de retificação de declarações, seja se preparando para aproveitar eventuais programas de conformidade que o governo venha a instituir.
E, acima de tudo, encare a internacionalização como uma estratégia de longo prazo: de governança, sucessão, eficiência e diversificação de riscos, e não como um truque de curto prazo para esconder patrimônio ou fugir do Fisco. Essa mudança de mentalidade costuma ser o primeiro passo para que offshores e contas no exterior deixem de ser um problema e passem a ser uma ferramenta legítima de desenvolvimento dos negócios.
Por fim, é preciso registrar o aviso legal essencial: tudo o que foi exposto aqui tem caráter exclusivamente informativo, em consonância com o Código de Ética e Disciplina da OAB. Este texto não substitui, em hipótese alguma, uma consulta jurídica individualizada. Cada caso concreto tem suas peculiaridades – porte da empresa, país escolhido, composição societária, tipo de atividade, histórico fiscal e contexto familiar e sucessório. Buscar orientação técnica antes de tomar decisões pode economizar muito dinheiro, tempo e, principalmente, tranquilidade no futuro.
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