Um guia prático para empresas sobre CND/CPEN, execução fiscal, confissão, renúncia e a escolha entre parcelamento e transação — com base no CTN, na Lei de Execução Fiscal e na Lei 13.988/2020. | quinta-feira, 18 de dezembro de 2025
| Parcelamento (RFB) x Transação (PGFN) — como escolher o instrumento |
|---|
| PARCELAMENTOFoco em organizar pagamento e obter fôlego; regras geralmente padronizadas (CTN, art. 151, VI). |
| TRANSAÇÃOÉ negociação jurídica (Lei 13.988/2020): pode envolver descontos/prazos, mas costuma exigir contrapartidas e análise de capacidade de pagamento. |
| ALERTAEm ambos, leia o termo como contrato: confissão, desistência e renúncia podem mudar (ou encerrar) a estratégia de defesa. |
| Checklist pré-clique (o mínimo antes de aderir) |
|---|
| 1Separar RFB x PGFN (dívida ativa) — muda custo, programa e caminho. |
| 2Validar origem: declaração (DCTF/DCTFWeb etc.) ou auto de infração. |
| 3Auditar valores e vínculos: pagamentos, duplicidades, compensações, consolidação. |
| 4Mapear contencioso (admin/judicial) e o que será exigido: desistência? renúncia? |
| 5Definir objetivo: certidão rápida (CPEN), previsibilidade de caixa, desconto, ou estratégia de defesa. |
| 6Simular fluxo de caixa pessimista: rescisão costuma ser cara e reativa cobranças. |
Depois de entender o efeito principal do parcelamento, costuma surgir a pergunta mais delicada: “Parcelamento é confissão?” Na prática, é comum que programas federais tratem a adesão como reconhecimento do débito e aceitação das condições. Isso não é um detalhe de rodapé; é parte do desenho do programa. O alerta, aqui, é duplo.
O primeiro alerta é que confissão não é a mesma coisa que “perdi todos os direitos para sempre”, mas ela reduz bastante a margem de discussão, especialmente quando se trata de débito confessado em declaração. Um bom exemplo de como a jurisprudência lida com obrigações declaradas está na Súmula 436 do STJ, que fixou entendimento de que a entrega de declaração pelo contribuinte reconhecendo o débito constitui o crédito tributário, dispensada outra providência por parte do fisco (STJ, Súmula 436). Isso ajuda a entender por que, quando o débito nasce de declarações como DCTF/DCTFWeb, normalmente não é simples discutir “se o fato gerador existiu”, e o caminho prático costuma ser revisar cálculo, base, pagamentos, compensações e vinculações.
O segundo alerta é que, muitas vezes, o que realmente amarra a empresa não é a palavra “confissão”, mas a combinação de duas cláusulas: desistência e renúncia. Existem programas que exigem desistência de impugnações e recursos administrativos, e em transações tributárias essa exigência pode ser ainda mais sensível porque pode envolver desistência de ações judiciais e renúncia ao direito sobre o qual elas se fundam. Aqui não existe atalho: é leitura atenta do edital e do termo de adesão, porque são eles que definem o quanto a empresa está trocando de segurança jurídica por fôlego financeiro.
Essa distinção é essencial quando se fala de transação tributária. A Lei nº 13.988/2020 abriu espaço para transações na cobrança federal e, com isso, mudou o repertório de quem está na dívida ativa: além do parcelamento, existe a possibilidade de negociação com regras próprias, inclusive com descontos e prazos, conforme modalidade e critérios. Só que transação não deve ser tratada como “parcelamento com desconto”; ela é uma negociação jurídica completa, com contrapartidas, com exigências e, frequentemente, com custo de encerramento do litígio. A transação pode ser excelente quando o objetivo é reduzir custo efetivo e encerrar incerteza, mas pode ser péssima se a empresa tinha uma tese forte e ainda não mensurou o valor daquela tese.
Nesse ponto, vale olhar para o tema dos prazos sob um ângulo que costuma ser esquecido: ao parcelar, a empresa pode produzir um efeito jurídico relevante no campo da prescrição, porque a lei considera que atos inequívocos de reconhecimento do débito interrompem a prescrição (CTN, art. 174, parágrafo único, IV). Em linguagem simples, isso significa que a adesão pode “zerar” uma contagem que, em certos casos, seria estratégica para defesa. Não é um argumento para nunca parcelar; é um argumento para parcelar com mapa, e não por susto.
Quando o assunto é execução fiscal, existe ainda uma complexidade adicional: a linha do tempo do processo. A jurisprudência do STJ construiu parâmetros importantes sobre prescrição intercorrente na execução fiscal, e isso impacta diretamente a estratégia de “negociar x defender”. Um marco amplamente citado é o julgamento repetitivo do Tema 566, no qual o STJ enfrentou a prescrição intercorrente na execução fiscal e seus marcos (STJ, REsp 1.340.553/RS, Tema 566, 1ª Seção, julgado em 12/09/2018). A consequência prática é que, dependendo do estágio e da história do processo, pode existir um cenário em que a empresa precisa ser ainda mais cuidadosa antes de reconhecer o débito sem medir a posição processual que já possui.
Tudo isso pode soar teórico demais para quem está apenas tentando “destravar a certidão”, então é útil trazer o tema de volta ao chão. Na vida real, antes do clique, o empresário precisa responder a duas perguntas que parecem simples, mas mudam o jogo.
A primeira é onde o débito está. Débito administrado pela Receita Federal e débito inscrito em dívida ativa, sob gestão da PGFN, não são a mesma coisa. Mudam os custos, mudam os programas, mudam as exigências e muda até o ambiente de risco, porque a dívida ativa conversa mais de perto com o cenário de execução fiscal e com custos agregados que podem pesar no total. Essa separação é o começo de qualquer plano razoável.
A segunda é a origem do débito. Quando ele nasce de declaração, a discussão costuma ser mais “contábil-operacional” do que “filosófica”: revisar base, revisar a conta, revisar pagamentos e compensações, conferir duplicidades, corrigir vinculação. Quando ele nasce de auto de infração, a empresa pode ter um contencioso com outras teses e outras possibilidades, e o tempo do processo pode ser parte da estratégia. A decisão de parcelar sem diagnosticar essa origem é, muitas vezes, a decisão de pagar caro por falta de leitura do próprio caso.
É aqui que muitos erros comuns aparecem. Um deles é parcelar um débito que nem deveria estar ali, por falha de vinculação de pagamento ou por duplicidade. Outro é incluir no parcelamento algo que já estava em parcelamento anterior ou que dependia de consolidação correta. E há, ainda, o erro mais silencioso: desistir de uma defesa que estava bem encaminhada apenas para produzir uma “sensação de resolução”, quando, na verdade, o caminho mais eficiente seria ajustar o débito, discutir a tese ou negociar sob regras menos agressivas de renúncia.
Para facilitar essa decisão em ambiente de pressão, o fluxograma abaixo funciona como um mapa mental de triagem. Ele não substitui análise jurídica individualizada, mas ajuda a evitar o tipo de escolha que a empresa se arrepende quando já é tarde para voltar atrás.
Perceba como o fluxograma força uma pausa estratégica: antes de escolher um programa, ele obriga a separar Receita de dívida ativa, a validar a origem do débito e a encarar a pergunta que mais dói, mas que mais protege a empresa: “eu vou ter que desistir de quê para entrar nisso?” Essa pergunta muda a conversa com o sócio, com o financeiro e com o jurídico, porque recoloca o parcelamento no lugar correto: uma negociação que tem preço, não apenas uma providência administrativa.
A partir dessa visão mais madura, fica mais fácil tratar de um tema que causa muita ansiedade: “E se eu parcelar e depois precisar rescindir?” A resposta curta é que rescindir costuma ser ruim. Em muitos programas, a rescisão por inadimplência ou descumprimento de condições traz consequências práticas pesadas: volta da cobrança integral, perda de reduções, vencimento acelerado do saldo e retomada do caminho de cobrança, inclusive com execução fiscal quando aplicável. O parcelamento, portanto, precisa caber no caixa real, e não no caixa otimista. Se a empresa entra com uma parcela que só fecha “se tudo der certo”, o parcelamento vira um risco recorrente, não um alívio.
Há também a dúvida sobre migração: “Dá para trocar por um programa melhor depois?” Às vezes, sim, mas isso não é uma regra automática. Pode haver vedação, pode haver exigência de rescisão do anterior, pode haver consolidações que mudam o total, e o tempo de migração pode ser incompatível com a urgência empresarial. Em termos práticos, migrar sem planejamento pode significar romper um acordo em vigor, perder benefícios e entrar em um limbo temporário que derruba a certidão justamente quando a empresa mais precisava dela. Em ambiente de crédito e contratos, esse tipo de “buraco” é o que costuma gerar custo indireto maior do que juros.
Se existe uma mensagem central para guardar, ela é simples: parcelar pode ser excelente, desde que seja um ato planejado e contextualizado. O parcelamento, por força do CTN, suspende a exigibilidade e muitas vezes viabiliza a CPEN; isso resolve o problema mais urgente, que é seguir operando. Mas ele não quita, não apaga o passado, não elimina automaticamente todos os efeitos de uma execução fiscal e pode exigir confissões, desistências e renúncias que mudam o futuro do caso.
Por isso, quando alguém do time disser “vamos parcelar logo para destravar a certidão”, vale responder com outra frase curta, que funciona como regra de governança: antes de aderir, separe Receita Federal de dívida ativa, confira a origem e a correção dos valores, mapeie defesas existentes e leia, linha por linha, as cláusulas de desistência e renúncia. A diferença entre estratégia e armadilha, quase sempre, está exatamente aí.
BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Código Tributário Nacional. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 27 out. 1966.
BRASIL. Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980. Dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública e dá outras providências (Lei de Execução Fiscal). Diário Oficial da União: Brasília, DF, 23 set. 1980.
BRASIL. Lei nº 13.988, de 14 de abril de 2020. Dispõe sobre a transação na cobrança de créditos da União e dá outras providências. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 15 abr. 2020.
BRASIL. Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). REGULARIZE: portal de serviços (dívida ativa, transação, parcelamento). Brasília, DF: PGFN, s.d. Disponível em: https://www.regularize.pgfn.gov.br/. Acesso em: dez. 2025.
BRASIL. Receita Federal do Brasil (RFB). e-CAC — Centro Virtual de Atendimento. Brasília, DF: RFB, s.d. Disponível em: https://cav.receita.fazenda.gov.br/. Acesso em: dez. 2025.
BRASIL. Portal do Simples Nacional. Brasília, DF: Governo Federal, s.d. Disponível em: https://www8.receita.fazenda.gov.br/SimplesNacional/. Acesso em: dez. 2025.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Brasil). Súmula 436. “A entrega de declaração pelo contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do fisco.” Brasília, DF: STJ, 2010. Disponível em: https://www.stj.jus.br/. Acesso em: dez. 2025.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Brasil). Recurso Especial nº 1.340.553/RS (Tema 566). 1ª Seção. Julgado em 12 set. 2018. Brasília, DF: STJ, 2018. Disponível em: https://www.stj.jus.br/. Acesso em: dez. 2025.